Como de costume, voltava do laboratório a pé, confabulando comigo mesmo sobre as ponderações da vida. Em especial, nesse dia, econtrava-me meio triste, preocupado com o mestrado, carreira, trabalho, entre outros assuntos que me faziam companhia na minha jornada para casa. Logo que sai da Universidade, avistei a figura conhecida já há algum tempo.
– E aí Armindão! Tudo bem contigo?
Confesso que ouvi pergunta pensando em uma maneira educada de dizer que não tinha dinheiro a dar. Tudo bem, era normal eu pensar desse modo, afinal, esse era sempre o motivo de Pretinho digir-se a mim. Pedia dinheiro para comprar fraldas, para tomar sua pinguinha, para completar a grana da passagem, etc. Não posso negar que era criativo, sempre uma finalidade diferente para justificar sua mendigagem.
– Cara, você precisa ver isso. – Disse ele, empolgado.
Tirou de sua mochila surrada algumas folhas parecidas com cartolina, mas, um pouco menores e brilhantes. Concluí que eram papeis de foto. Cada uma tinha um desenho diferente.
– O que são esses desenhos? – perguntei
– Achei na casa de um amigo. Pera aí… tem aqui um cabuloso mano! Vou te dar de presente. Se quiser algum outro, fica por qualquer ajuda que puder me dar.
– Oh Pretinho, tô sem grana hoje. Sabe como é essa vida de Universitário, né! – Minha desculpa esfarrapada demonstrava a diferença entre minha criatividade e a dele.
– Ah… de boa mano! Fique com os dois então, você é um cara legal. Achei, achei, é esse aqui. É ou não é massa?
Olhei para o desenho que ele me mostrava. Realmente era interessante. Duas mulheres de costas, uma em frente a outra. As duas sobrepunham-se de uma maneira que era difícil identificar de qual delas originava-se cada membro. Os pés de ambas misturavam-se a terra como as raízes de uma árvore. Toda a figura tinha um colorido meio melancólico e surrealista.
– Massa mesmo Pretinho! Parece um dos quadros de Salvador Dalí.
– Sério? Esse cara deve ser muito bom, pra pintar coisas assim.
Fiquei meio pensativo novamente. Em que mundo vive ele que não conhece Salvador Dalí? Meu próprio questionamento enfatizava a Heterogeneidade social que nos separava. Antes de despedir-se de mim, contava-me contente que faltavam apenas dois reais para completar a grana para ele retirar sua carteira de identidade. Dessa forma, teria novamente sua carteira de trabalho assinada em uma madeireira onde acabara de conseguir emprego. – Vida nova! bradava satisfeito.
Virei a esquina e ele seguiu reto. Foi embora feliz com seu novo emprego. E eu, ainda meio triste, preocupado com meu futuro prodigioso.
Autor: Armindo Guerra Jr.