O homem sem idade

Havia uma velha lenda que dizia: tu és a tua idade. Não é que descobri, realizando meticulosa contagem dos anos, que se tratavam de falácias que me ensinavam na escola, ou nas esquinas destas. Não existe tal índice quantitativo: idade. Em asilos espontâneos, observei peles sobressalentes, caindo através de bochechas murchas mesmo jovens. Apresentavam-se, cordialmente, como anéis de um tronco de árvore cortado, em que cada volta designa a longevidade da vida. Cortei-me ao meio, e não enxerguei volta nenhuma. Mas, não estava eu mais vívido do que nunca? A inquietude deste enigma, todavia, acalma-se no que se sucedeu.

Numa manhã de sol nascente, de um amarelo que maltratava os trabalhadores das primeiras horas, deparei-me certa vez com um velhinho, de rosto amarelento, porém simpático, que fez-me reconstruir a opinião sobre os assuntos etários dos homens. Parei, e escutei a ele.

— Faço este trajeto já faz muito tempo. Há quarenta anos, alimento minha família desta forma. Oito horas, cinco dias por semana, quarenta anos em uma vida; essa é a quantidade de tempo que gasto, e gastei, na minha passagem por aqui, na Terra. E se me perguntar se me sinto velho, meu jovem… – e pôs-se a dançar, no meio da rua. Indiferente para com as pessoas que estavam ao seu lado, e lhe olhavam com despudor. – saiba que sequer registrado em cartório eu fui. Me aproveitando disso, vivi sem jamais ter idade. – e sorriu largamente.

Aquilo retumbou em meu peito, que desejava ávido se estufar com a mesma atmosfera do homem sem idade; meu íntimo relutava em envelhecer e, fortuitamente, aprendera como fazê-lo neste instante.

Era um choque de gerações, desatadas pelas décadas da experiência. Uniam-se, no entanto, pela desconsideração da idade. Isso justificava o ensinamento sublime que naquele momento se punha. Como avós ensinam netos, de maneiras distintas das quais o fizeram com seus filhos, ambos, na conversa, perceberam que no mundo muitos netos são órfãos de avós. Ficaram, por isso, paralisados.

Neste momento, iniciou-se uma chuva demasiado forte. As gotas de água, à medida que caiam numerosas do austero céu cinza, depositavam-se no meio-fio. A conversa dos dois continuou. Tornou-se tão densa quanto a chuva cadente. Logo depois, limpando o rosto, não se sabe se devido às lágrimas da conversa ou pela umidade do que vinha do alto, eles se despediram, dançando cada um em sua direção.

Autor: Lucas Vínicius da Rosa