A praça ou A igreja

campanário rj

Uma brisa muito leve vinha de uma direção incerta. No entanto, embora quando rebatesse em meu rosto nada fizesse, era suficiente para carregar uma folha descansada abaixo do banco em que eu me assentava. Sua face não era lisa, como são as lindas folhas que encantam mais que suas flores; ainda assim tinha sua beleza. E o vento a levava, calmamente, conduzindo com seu assobio a dinâmica da praça em que eu me encontrava, duas semanas atrás.

Em formato circular, a praça possuía árvores altas em todo seu redor. Não eram árvores que permitiriam as crianças que ali estavam, contudo, trepá-las e inventar brincadeiras fantasiosas em seus galhos. Ofereciam apenas uma sombra que cobria a totalidade do lugar, à exceção de uma saída de fronte para a igreja.

Lá no alto, ocupando um terceiro andar exclusivo, protegido por um campanário que se destacava ao resto da face da igreja, um sino ressoou altíssimo e em tom intenso. As pessoas que estavam na praça, exceto eu, erguerem seus olhos para o imponente objeto de metal. Seus ouvidos foram inicialmente atordoados pelo barulho. Em seguida, tendo constatado tratar-se do sino da igreja, rapidamente acalmaram seus ânimos. Eu, por minha vez, olhava para a folha de cinco pontas e de cor amarronzada com tonalidades róseas; não gastei meu pescoço.

O sino anunciara o início de uma missa, ou algo do gênero. E ao meu lado, distando uns poucos metros do meu banco, existia outro igual; com a mesma cor branca e cuja tintura desgastara-se pela atividade do tempo. Nele sentavam-se duas mulheres. E à frente delas emburrava-se um minúsculo homem, um menininho, de uns seis anos de idade.

As senhoras, ou se deveria referir-se a elas como senhoritas, quem sabe, afixavam seus olhos ao celular. E quando a criança puxou a saia de uma delas, a que dava indícios de ser sua mãe, ela removera a pequenina mão. Em vista da repetição do ato, houve outra retirada. Em uma terceira, e vã, tentativa de ter atenção, o garoto foi asperamente repreendido. O conteúdo visualizado na tela fazia ambas sorrirem; pelo visto, resguardava-se ali mais valor e entretenimento que o riso de uma criança.

No centro da praça havia um grande chafariz. Não tinha água em seu interior. Jazia como uma grande banheira esvaziada, com bordas curvas e de material de aspecto muito antigo – tudo naquela praça, e na igreja à sua frente, anunciava muita idade. Uma estátua de olhos mudos, lábios retraídos, e olhando para o alto, em direção ao sino da igreja, completava a apatia do chafariz; imagina-se que, talvez, muito antigamente saia água de alguma região de seu corpo.

Dentro do chafariz estava outra criança – uma garotinha. Tivesse quem sabe sete anos, não mais. Possuía em suas mãos um galho de árvore de sua altura. Com folhas em sua extremidade, o galho lembrava uma vassoura. Fora do chafariz, ainda próxima da criança, uma mulher de trinta anos, mas com pele de cinquenta, limpava o chão com ritmo regular. Em suas mãos, havia uma vassoura com dentes metálicos sem cor e cabo de madeira. Fazia movimentos simétricos, em todas as direções e sentidos.

Do lado de fora do chafariz, uma funcionária fazia seu serviço de limpeza. No de dentro, sua filha repetia seus gestos, e sorria. Gritava à sua mãe, para que olhasse para como tão bem ela a imitava. Porém, não havia resposta. Gritou uma vez, sem receber resposta. E outra. Na terceira, foi asperamente repreendida. O trabalho de sua mãe que, dada a ausência de creches fornecidas pela prefeitura, era impelida a levar sua filha para seu trabalho, parecia ser mais relevante que o riso de uma criança.

O sino havia tocado fazia dez minutos. Surgira, por uma ruela ao lado da igreja, um pai apressadíssimo. Puxava um menino, com não mais que oito anos de idade, pelo braço. O pequenino relutava por algum motivo. Lágrimas escorriam pelo seu rosto e, mesmo de longe, eu conseguia absorver totalmente sua insatisfação. Como se as causas divinas tivessem hora marcada, e só fossem atendidas pela condição de cumprimento religioso do horário, o pai chiou algo. Uma repressão visível. Em seguida, arrastou o garoto consigo para dentro do ambiente sacro. Não sem antes fazer o sinal da cruz. Pelo que parecia, o sorriso de uma criança era menos importante que sua crença.

O menino que estava há poucos metros de mim, de súbito, dada a desatenção dos seus adultos responsáveis, deixou sua posição. Assim que avistou a menina do centro da praça, correu para lá. A mãe da menina, por conseguinte, tão imersa em sua limpeza mal remunerada, não vira quando sua filha foi ao encontro do garoto. Em poucos minutos, os pequeninos haviam já se conhecido, como só o sabem fazer as crianças, e desaprendem os adultos. Afastaram-se da vista grossa dos mais velhos, ainda que pouco, e atrás de algumas árvores inventaram algumas estórias. Cada um cumpria um papel. Em seu mundo imaginário, divertiam-se como não poderiam no mundo real, repleto de pessoas apáticas e cheias de problemas. Sorriam. Corriam por entre os grandes troncos da árvore. Escondiam-se um do outro, mesmo sabendo que o paredeiro já era visível.

Todavia, após cinco minutos, como tipicamente se cansam as crianças duma brincadeira, devendo ir a outra, entediaram-se. Olharam ao redor, e a igreja lhes chamou a atenção. E em sua direção correram. Pensei em avisar às mães da praça. Porém, repensando o próprio pensamento, abri mão, não friamente, senão pela felicidade dos infantes, de tal ideia. “Deixai que brinquem, como não poderiam fazer por falta de amigos em sua própria família.”, concluí.

Cânticos exaltados ressoavam por todas as paredes da igreja. Compunham uma acústica tenebrosa, como seria, segundo os medrosos, as vozes que supostamente têm origem no céu. O som era escutado até pelos meus ouvidos. E como as portas da igreja estavam abertas, era possível observar a movimentação em seu interior.

Em consequência de seu atraso, o pai e o menino, que ali não desejava estar, estavam muito próximos à porta. Via-se ali uma criança cabisbaixa, e um adulto compenetrado em sua fé e, muito provavelmente, com os olhos comprimidos.

A missa alcançava o término do seu segundo terço. Hora da comunhão. O pai passou sua mão pela cabeça do pequenino, e encaminhou-se para a fila em cujo final se recebia uma hóstia. Entraram pela porta da igreja as crianças da praça, neste instante. Sorriam e saltitavam. Tendo suas brincadeiras o ruído ofuscado pelo forte cântico ecumênico, não foram notadas por ninguém; exceto pelo garotinho que ali não gostaria de estar. Olharam-se mutuamente os três.

A menina se aproximou daquele que antes acompanhava seu pai. Encurvou sua mãozinha. E na porta do ouvido do outro falou alguma coisa. Naturalmente, de meu banco muito distante na praça, nada pude ouvir. Mas entendia-se a mensagem apenas pelo contexto, se esperto se fizesse qualquer observador disposto a relatar aqui o que viu.

Um pouco relutante, o garotinho olhou na direção da fila de eucaristia. Comprimiu os lábios. Porém, antes que pudesse formular qualquer tipo de pequena responsabilidade infantil, foi puxado pelos braços por ambas as outras crianças. Saíram pela porta correndo, como de praxe fazem os pequeninos, que nunca caminham, apenas correm. E desapareceram encantados, não pela fuga, pelo universo que iriam descobrir os três juntos a seguir. Outra vez pensei em avisar os responsáveis por eles. Então repensei, e outra vez nada fiz. “Deixai que brinquem, como não poderiam fazer por falta de amigos em sua própria família.”, concluí novamente.

Um leitor mais moralista deve estar a repudiar este que lhe narra, possivelmente. A este nada digo, senão que sua moral lhe cobre os olhos diante do que se retrata. Ao menos moralista, se não lhe cabe a mesma opinião, talvez seja porque apenas segue o que os outros dizem com menos vigor; nem por isso significa que possua fala própria.

Alguns minutos após, o sino da igreja tocou. Tilintava tal qual se anuncia um grande acontecimento. Como em uma sintonia atípica, os pais simultaneamente deram-se conta do sumiço de seus pequenos.

As mulheres ao meu lado sobressaltaram-se do banco. A vassoureira largou seu instrumento no chão, e saiu correndo sem saber para onde. Na porta da igreja, apareceu o pai, com rosto deverás pálido e ar desesperado, interrogando cada fiel que por ele passava. Não demorou a comoção atingir à volumosa gente, que se reunira na praça. Procuravam para lá e para cá. Sumiram as crianças!

Eu, do banco da praça, afligia-me não pelas crianças, mas pelos que as procuravam. Não sabiam das causas verdadeiras de tal ocorrido. Em verdade, vira-as correrem para o lado da igreja, em direção a um terreno baldio. Da minha perspectiva, era inclusive possível vê-las divertirem-se umas com as outras. E como o faziam bem; distantes daquele reino medíocre em que se impunham pais impositores. Nos olhos infantis não se estampava o desespero de seus pais, mas a realidade, ainda que fantástica. Naquela cultura, da qual eu, em meu banco, sentia repúdio em fazer parte, as crianças não tinham voz, porque adultos os gritavam muito alto os sintomas de suas doenças.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa