Elogio à embriaguez

Sir Bukowski!

Sejamos estritamente sinceros. Digo isso como uma máxima a mim mesmo, e em prol de preservar um hábito que muito me agrada. A bebida, em si, elemento de destruição de lares, encontrará sua justificativa aqui. Farei minha argumentação cuidadosa, diligente, atendendo aos detalhes que atendem aos bons procedimentos.

A ressaca me é grande, sim. Dói-me a cabeça em proporções desproporcionais. Por isso mesmo, não bastasse o suplício da fisiologia, psicologicamente minha mente sabe o que fazer. Vou até a geladeira. Olho para ela. Ela olha para mim. Ah, que doce sensação esta: existem latas me aguardando. Quando dou-me conta, a lata está vazia, e a dor de cabeça se esvaiu. Feliz analgésico inventado pelos homens.

Outro aspecto merece nossa atenção. Afinal, o discurso aqui, embora embriagado, anda por linhas retas. Terminado o copo, momento em que se enxerga seu fundo, não há margem para más interpretações. Se você olha fixamente para ele, sem preenchê-lo outra vez, criam-se superstições. O ser humano, desde muito, adora enxergar significados em borras de café. Imagine só o que um bêbado não vislumbraria num fundo de copo sem cerveja. Aquelas manchas, recheadas de espumas, indicando destinos que a pessoa nunca ira percorrer.

Adiante. Não podemos parar. A pausa, aqui, se faz apenas para que eu reabasteça o copo, e mantenha honestidade no discurso. Um momento. Um gole. Prossigamos. Trarei as bases de meu pensamento, agora, em grandes pensadores e autores. Eles muito gostaram dessa tal de bebida destilada, fermentada, ou processada sob outra qualquer tecnologia da embriaguez. Hemingway escreveu livros cujas páginas exalavam álcool. Kreauc bebeu durante seis anos a fio, e mijou tudo num livro só em três meses. Nietzsche teve sua fase boêmia, e então virou poeta incontido com o mundo. Rimbaud, eternamente jovem e fora de si, nem se fala; quando não estava fumando haxixe, consumia absinto em doses absurdas. Bukowski, bem, o velho Buk nunca vira o fundo do copo, porquanto ele sempre estivesse cheio. Enfim, provei meu ponto de vista, aquele em que eu bebo e vocês lêem, neste parágrafo mais extenso do que o imaginei.

Muito se pondera sobre a razão dos bêbados. Diz-se, deles, que mal podem tomar uma decisão por si próprios. Eu discordo. Muitas células foram fecundadas por atitudes ébrias. E disso derivaram-se filhos que, vejam só o disparate, nem bebem. A humanidade foi povoada às custas do fígado. E o crescimento populacional encontrou sua fórmula na fornicação. Pensemos em quantos litros de whiskey projetaram tantas crianças. Doce hábito este, de beber, infantil!

Guerras, no entanto, foram travadas em nome da bebida. Soldados de variadas hierarquias bebiam como se fossem bestas, e agiam também como tal. Contudo, está última frase será minha única crítica a bebida neste texto. De resto, acabando-se os conflitos, derrotados e vitoriosos beberam. Veja bem, beber independe do resultado ou das causas.

Prossigamos rumo à mitologia grega. Prometeu fora um desgraçado perante os deuses. E por que? Ora, seduzido pela natureza humana, fez questão de roubar o fogo dos imortais e dá-lo aos seres humanos. Em seguida, tendo alimentado a horda de alcoólatras na Terra, foi punido. Colocaram o dito cujo numa cruz, e seu fígado era comido por urubus durante o dia, enquanto se recuperava o órgão durante a noite. Ah, o maior dos ladrões dá-nos o exemplo: Prometeu tinha fígado de aço, poderia beber até o próprio fogo que roubou.

Estendo-me mais. Afinal, nesta vida se bebe, e na dose servida se afoga. Em geral, as pessoas chegam às suas casas cansadas, enfastiadas pouco ou exauridas muito pelo dia de trabalho. E a quem, neste instante decisivo, recorrem? Ao álcool. Compram cervejas pelo amargo, licores pelo doce, vinhos pela melhora da circulação sanguínea, vodka pelo frio, whiskey pelo requinte. Enfim, cada um com a sua cor, todos no final da noite vão dormir coloridos.

Algumas mulheres reclamam que seus homens bebem em excesso. Há inclusive mulheres que fazem o mesmo, e mostram que machismo é coisa defasada. Se virem uma destas, avisem-me, por favor; estou à procura das que são sinceras no vício como eu. Se o homem chega em casa, no entanto, e partilha da sua garrafa com a amada, em segundos os beijos surgem, e os lábios se embriagam entre si. Sem o álcool, porém, nada disso ocorreria. Mesmo porque as duas mentes sãs só enxergariam os defeitos, e nada das qualidades exageradas pelo efeito da bebida.

Se me falarem que cuspir as tripas é ruim, direi que têm conceitos errados sobre a vida. Isso por que estamos constantemente sofrendo pelo corpo. Uma diarreia aqui. Outra tossida acolá. Eventualmente viroses, ou apatias trazidas por bactérias. Ora, nosso corpo está sempre expulsando coisas. Nada mais justo que, por vontade própria, incentivar o corpo a expor a bílis. Fato é que o estômago sofre neste processo. Vomitar tem suas consequências. Ah, mas cá entre nós, a intensidade da embriaguez vale o câncer de estômago.

Parece tudo isso que tenho escrito indecente. Se você julga assim, ao ler o que passa, digo que se acalme. E não beba. Porque se você beber, e lamber os beiços, tendo achado ridículo o texto, estará em contradição irrefutável quando estiver embriagado, neste mesmo estado que eu. De qualquer forma, me despeço agora. Vou-me nessa, buscar cervejas em outras Passárgadas, onde cantam sabias mais embriagados e de gramática mais errante.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa