Seria impossível, outrora, que minhas ausências fossem preenchidas pelo que sequer tinha ciência existir. Como um cego de cegueira leitosa, surgida das páginas amarelas de um livro de José Saramago, tropeçava nos pés da cama e gritava um sangue que, em realidade, não escorria pela ferimento aberto. Permanecer de olhos cerrados era o que me solicitava minha cultura mais civilizada.
Às apalpadelas, no entanto, imerso em solidão esplêndida (única forma pela qual se caminha com as próprias solas), caminhei até à porta. Arrebentei-a de um golpe só, já cansado pelo temor dos que não fazem a luz adentrar, receosos quanto à profundidade dos cortes advindos da existência. Com o estalido, assinalado pelo trinco que tocou rapidamente o chão, preocupado, alguém suficientemente próximo veio-me acudir.
— O que está acontecendo? – e voltou-se para porta, irrecuperavelmente estraçalhada; e em seguida notou o trinco no chão. – Por que arrebentaste o trinco da porta do seu quarto? Estás louco? – então abri um riso de sarcasmo, como quem vence o próprio medo em afogar-se, e se joga no oceano profundo; ou não sente mais medo dos céus, ciente da desordem dos astros; ou não teme mais a morte, tendo sabido que para renascer é preciso mortificar-se ainda em vida. E lhe disse.
— Ora, não desejo ter de bater à porta, sempre que quiser adentrar em mim mesmo.
Todo aquele que deseja criar, afinal, necessita ter grande habilidade em destruir.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa