O poliglota

Faltavam cinco minutos para que Ramsés fosse atendido. Um pouco inquieto, aturdido pelo ponteiro de seu relógio de pulso, mantinha sincronia entre um discurso ensaiado e seu dedo indicador, cuja ponta tocava o joelho direito em intervalo regular. Arquitetava sobre o que diria, exatamente, ao diretor de seu curso de línguas. Ramsés estava cansado do alemão, língua de assimilação árdua, de esforço longitudinal.

Terminados aqueles agoniados minutos de espera, a porta da sala do diretor, lentamente, abriu-se.

— Olá Ramsés. – disse-lhe o diretor, fazendo um gesto convidativo em direção a sua sala. – Você pode entrar agora.

Ramsés, com a cabeça afundada entre os ombros, olhou, de cima a baixo, a figura do diretor, posta em sua frente. Aquele homem alemão, de raízes germânicas até mesmo em seu tique nervoso, impunha certo medo ao jovem de menos de vinte e cinco anos. O aprendiz, ligeiramente, revisou seus dizeres. Respirou fundo. Puxou o ar para seus pulmões por duas vezes. Soltou-o duas vezes. Entrou.

— Como vai, mestre? – cumprimentou ao seu professor diretor.

— Estou muito bem, Ramsés. – ponderou sobre si mesmo o diretor. E prosseguiu, pontual, como assim o são os alemães, direto ao assunto. – A que devemos esta reunião, portanto, caro aluno?

Ramsés tomou fôlego. E respondeu.

— Então…mestre… – procurou por um instante o princípio do que iria falar. – O alemão é uma língua, como o mestre mesmo fala, de aprendizado disciplinado, difícil.

— Saiba que sim, Ramsés! – exclamou o diretor, interrompendo a locução do jovem. – O alemão é uma língua para os astutos, meu bom aluno. – e abriu espaço para a continuação da conversa.

— Sim, concordo com o senhor, mestre. – disse em volume baixo. Logo após, a juntar coragem na formação de suas palavras, expôs. – Contudo, gostaria de dizer que não quero mais fazer alemão.

O diretor torceu os músculos da face. Demonstrando reação perplexa, com os centros dos olhos arregalados, coçou seu rosto. Parecia estar zangando.

— Posso saber qual o motivo da sua desistência, meu jovem? – interrogou o docente.

Ramsés virou para os lados. Matou dois segundos. Titubeou e desembuchou.

— É que o alemão não me agrada tanto quanto outras línguas, mestre. – articulou.

— Mas você não havia dito, quando começou o curso, que o alemão era a língua que você mais desejava aprender?

— É…é…veja bem. Isso eu disse sim, mestre. – Ramsés tremeu sua língua. E continuou – Porém, mestre, posso querer trocar de língua, não posso? Devo poder escolher se falo italiano, inglês, alemão, ou português. Sei que tem gente que não quer falar nenhuma delas. Tem gente, pra falar a verdade, que não quer falar língua alguma. – e sorriu, tentando implicar um senso de humor ao que dizia.

O diretor nada expressou. Austero e intacto, manteve sua pose impávida diante de Ramsés.

— A verdade, meu jovem, é que o alemão é uma língua fascinante. Mas apenas para aquelas pessoas que são fascinadas por ela. O que posso fazer se você quer, como você próprio disse, trocar de língua? – o diretor, retórico, deixou a pergunta no ar.

Antes que Ramsés tivesse a oportunidade de confirmar sua vontade — dizer que o francês, ou o inglês, agradavam-lhe muito mais que o alemão e sua eternidade de aprendizado –, a reunião foi interrompida por três pequenas batidas na porta.

— Quem é? – elevou sua voz o diretor.

— Sou eu papai. – uma timbre feminino, aveludado, atravessou a madeira da porta.

— Ah, pode entrar querida. – enunciou, permitindo, dessa forma, a entrada de sua filha no recinto.

Inicialmente de costas para a porta, assim que voltou-se para a mulher que entrara na sala, Ramsés levou um susto. Susto de arrebatar o fôlego, fenômeno observado frequentemente por ele diante de beleza significativa. Como era maravilhosa aquela jovem frida! Loira, nem muito alta, nem muito baixa, com perfume trazido do melhor dos jardins alemães. Assim se compunha a descrição da filha do diretor, a mais nova professora da escola de alemão.

— Olá, papai. Só estou passando para avisar que posso começar as aulas da turma avançada hoje mesmo. – disse, angelicalmente, a mulher que congelava Ramsés, que se encontrava, naquele momento, atônito e acorrentado à sua cadeira. – Ah, oi pra você. – falou ela em direção ao jovem.

— O…i… – o desistente do curso de línguas gaguejou.

— Era apenas isso, papai. Preciso preparar o material das primeiras aulas. – a mulher informou. Em seguida, despediu-se. Desapareceu com sua volúpia espaçosa.

Tão logo ficaram, novamente, somente duas pessoas na sala, o diretor recuou ao assunto de que tratavam.

— Muito bem, Ramsés. Onde estávamos? Falávamos sobre sua desistência do curso de alemão…

— Ah, sim, mestre. Eu estava, na verdade, fazendo uma brincadeira sobre trocar de língua. – e soltou uma gargalhada. – Que absurdo achar que qualquer outra língua tem mais valor e presença que o alemão! – exclamou.

O diretor fitou Ramsés. Parecia não entender muito a graça daquela piada. No entanto, permaneceu, enfim, quieto. Frente àquela quietude deliberada, o jovem contra-atacou.

— Mas vamos falar sério agora. – e completou. – O que eu realmente queria saber, mestre, é em quanto tempo o senhor acha que posso migrar para o nível avançado?

Autor: Lucas Vinícius da Rosa