Ensaio sobre a exclusão

Exclusion

Um indigente repousa ao lado de sua garrafa plástica de aguardente, conforme se anunciam, da aurora, radiosos fios luminosos do céu desumano. À distância, ele se parece como o mais sujo item da sociedade organizada; já dela excluído pelos espaços urbanos, porém incluído nos comentários silenciosos, apenas ditos pelos mais ousados e pomposos e asseados e educados seres – que tapam suas narinas, de modo a ignorar o fétido cheiro que ali se exala.

Dissociado de sua família, de seus amores, aparenta ser capaz de administrar seu sentimento apenas para com seu fígado. Ao seu lado, uma bolsa grande e preta é sua companheira – como executivos dissimulam carregar em suas maletas (revestidas por pele de negra pantera) papéis importantes para suas corporações de fachada. Traz nela tudo o que lhe é necessário a uma sobrevida: suas roupas e suas violentas experiências por ninguém vistas senão a vistas grossas.

Com surpresa, seu guarda-roupas viandante é mais organizado que a consciência de muitos homens bem vestidos, benfazejos doadores de dízimos, porém adúlteros de seus próprios impostos, sonegados solenemente para que possam, sempre que passam por um indigente ao lado de uma garrafa plástica de aguardente, franzirem o cenho, repudiarem um mal estar da civilização, e lhe negarem moedas, sob o pretexto de que vício algum alimentam senão aqueles que carregam em seu peito, em sigilo.

Ao atravessar a faixa de pedestres, nota-se-lhe esta figura indigente. É meio-dia. Uma hora depois, tendo-lhe passado centenas de pessoas, e um poeta sobre ele escrito poucos parágrafos, covarde sendo de atitude alguma outra fazer senão registro rico de palavras pobres, nada muda, exceto a posição do indigente: ele agora dorme com as costas voltadas para outro lado: de costas para a sociedade em franco progresso, desde que se conta o homem o tempo através do relógio.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa