Como uma mula

Como uma mula, estou estancado no mesmo ponto. Se chutam-me o traseiro, não prossigo. Se dizem-me para ficar parado, bem, ali mesmo estático fico. Uma estaca da madeira mais podre perfura meu peito, entrementes. As pequenas fagulhas adentram em mim. Tento retirá-las. Recuso a ala de cirurgia. Desejo, porque desejo, remover sozinho as pequenas farpas que me foram penetradas. Num dado momento, percebendo que do instrumento da tortura humana muitas minúsculas peças se desprenderam, e em mim já estão, paro de lutar. Neste instante, observo as opiniões enraizadas e os hematomas inchados. Os falsos testemunhos impregnados em minhas células. Sou obrigado a retornar às origens, e refazer todos os conceitos feridos. Aniquilar as células antigas ao preço do surgimento de novas. Dói no início; maltrata. Mas, passado o suplício da morte do velho, do fajuto, sinto-me logo mais novo. Quantas hemodiálises ser-me-ão necessárias para me aquietar neste processo? Nada sei, apenas que tal medição depende de quanto sangue o indivíduo possui. Daí eu sangrar sem medo, gastando hemácias a cada frase; houve remissão em meu câncer.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa