À noite as casas são mais sinceras. É fácil ser belo quando o sol vem ressaltar todas cores, todos os contornos. Numa dessas noites longas eu vagava pelas ruas, desembestado, sem destino certo. Andava olhando para o céu. As três Marias eram minhas guias e o Cruzeiro do Sul meu interlocutor. Quando tem-se uma noite dessas, é fácil entender porque os astrônomos passam suas vidas observando a abóboda celeste. Sentei a beira de um chafariz e, tal qual um ser pertencente a toda aquela penumbra, aquietei-me. Haviam dito o quanto era prazeroso praticar a insignificância.
Sem menos esperar, noto uma pequena sombra aproximando-se. Um cãozinho todo serelepe e com o rabo balançando veio de encontro a mim. Seu pêlo seria branco, se não estivesse encardido. O fato dava a entender que era um cachorro de rua. Incrível como essas criaturas tem a capacidade de transmitir serenidade. Sentou-se ao meu lado e demonstrou que me faria companhia. Pois bem, como poderia chamá-lo? Afinal, era importante ter um nome. Caso contrário, como poderíamos partilhar de uma boa conversa? Olhei para ele, passando a mão em sua cabeça, logo surgiu-me o nome Bartimeo.
Ainda acariciando-lhe, e com a certeza de que compreenderia tudo, comecei a lhe explicar um pouco da dinâmica dos céus. – Sabia, Bartimeo, que houve um tempo em que as pessoas realmente acreditavam que tudo girava ao nosso redor? É… eu sei, hoje parece um pensamento bastante inocente. Mas esses homens tiveram ao menos o mérito de questionar a verdadeira essência da natureza. Iniciaram o que chamamos hoje de Ciência. Devemos muito a todos eles. Olha lá, consegue ver aquela estrela mais brilhante? Aquela, que parece maior que as outras? Quando eu era pequeno, meu pai sempre apontava para ela e falava: aquela é a estrela Dalva meu filho. Na verdade, ela é um dos planetas do nosso Sistema Solar, é Vênus.
Éramos os melhores amigos, sem reservas, nem desconfiança. Ele olhava para mim de um modo que dava a certeza de que absorvia todos os conceitos que eu lançava, sem qualquer preocupação. Continuei, então, dando minha aula. – Se olharmos diretamente acima de nossas cabeças, o ponto aparentemente mais alto do céu chama-se Zênite, em contrapartida, se pudéssemos olhar o céu bem abaixo do nossos pés observaríamos o Nadir. Parece bem simples né? Mas isso ajudou a estabelecermos as noções de latitude e longitude. O céu está imensamente bonito hoje, não acha?
Continuei falando. Expliquei-lhe por que algumas estrelas, no decorrer da noite, pareciam estar paradas, enquanto que as outras percorriam suas supostas órbitas. Atento à tudo, com os olhos espertos e o semblante de quem estava ávido para me ouvir, ficava ele. Era como se pedisse para eu continuar. Passamos horas juntos naquela praça. Tínhamos todo o céu para desvendar. Então, expliquei-lhe também que pertencíamos a uma pequena galáxia, cujo o nome fazia referência ao leite, e que éramos muito pequenos em comparação à tudo que existia além do que nossos olhos podiam enxergar.
O horizonte foi ficando menos escuro, anunciando o final daquela magnífica noite. Por um instante pensei em me despedir de Bartimeo e voltar ao meu mundo. Mas, felizmente mudei de ideia. Decidi levá-lo junto comigo para casa. Levantei e com as duas mãos segurando sua cabeça, disse – Vamos Bartimeo, vamos embora. Acho que precisamos de um banho e algo para comer. Prometo-lhe que amanhã explico como funcionam os eclipses.
Autor: Armindo Guerra Jr.