A inocência impossível

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Se era impossível a inocência, por que havia ainda o provimento do erro em tantas faces que queriam inversamente sorrir? D. não entendia, ao passo que muitos seguiam os ensinamentos dos sábios, eram ensinados e guiados por eles, mas sequer os sábios conseguiam atravessar as ruas pelas faixas de pedestres, que insistiam em ter suas listras apagadas pelo implacável sol de cada dia.

D. sentia-se incompleto. Contudo, afastava-se desse sentimento com facilidade. Como quando inserido em atividades mecânicas, ao pagar uma conta no Banco, por exemplo; pensava, ainda, que, se ele fosse um funcionário do Banco, sofreria efeito psicológico semelhante, imerso nos procedimentos cotidianos, e esquecer-se-ia que o tempo passa sem finalidade alguma; exceto se comprasse um relógio de ponteiros pesados e o pregasse à parede. Afinal, desse modo, os olhos humanos percorrem juntamente aos ponteiros a contagem das idades, que envelhecem os pensamentos antes mesmo que eles possam ganhar vida. E o tempo de trabalho, como funcionário do Banco, ou a quantidade de vezes que D. pagou a conta na agência fariam algum sentido, do ponto de vista de sua virtual promoção para um cargo patético e mais elevado; ou, por outro lado, caso as contas não estivessem em dia, da possibilidade de penhora de seus bens materiais.

Muitas vezes, D. desejava intimamente que todos os sábios explodissem pelos ares. Que seus pedaços fossem lançados para quilômetros de distância, de modo a ser impossível tarefa remontá-los à configuração original. Assim não haveria a mínima chance daquela sabedoria retornar ao que fora. E talvez assim ele pudesse se sentir um pouco mais humano.

Com o vazio que restasse, deste espaço agora inocupado, ele faria depósito não de inocências impossíveis, mas de verdades próprias em constante transformação — cria o Ser nunca ser mesmo a cada instante; Heráclito estava certo, mesmo que D. jamais tivesse sabido da existência do erudito grego. Ele poderia, neste caminho, até mesmo encontrar amor e ódio em si próprio, porque a generalidade de seus sentimentos não estaria acorrentada. Todos eles seriam permitidos e sumamente expressos à sua consciência em liberdade.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa