A despedida do sol

O sol despedia-se mergulhando no horizonte. Era possível ver seus raios avermelhados acomodando-se sobre o mar. No rosto, já trabalhado pelo tempo, sentia a carícia de um vento nordeste, trazendo em seu frescor os primeiros indícios de um inverno rigoroso que se aproximava. Estava ali, sentado em uma cadeira almofadada, com o queixo apoiado sobre as duas mãos amparadas por uma bengala de carvalho. Olhava fixamente para uma criança na praia. Ela divertia-se empurrando areia para dentro de um balde e depois despejando novamente no chão. Como é simples a juventude.

Noventa e três anos. No pensamento mais otimista não imaginava alcançar essa idade. De qualquer modo, o fato era que morava em uma bela casa à beira mar, como sempre sonhei quando jovem. Fui abençoado com o privilégio de acordar todos os dias ouvindo o som síncrono das ondas. À tarde, exceto quando chovia, vinha dizer adeus ao sol. Ficava geralmente sozinho, acompanhado apenas pelas lembranças de uma vida, por ventura, muito bem vivida.

Por falar nisso, quantas lembranças, quantas coisas pude presenciar. Lembro dos meus amigos. Quando nos abandonávamos nos braços da mocidade e experimentávamos o doce sabor de ter tudo por conquistar. Éramos ousados, corajosos, bêbados, equilibristas, pilotos de fuga e empresários da diversão. De todas as festas de formatura, lembro apenas das que entramos sem convite, driblando o sistema de segurança. De todas as moças que conheci, lembro de poucas, apenas das que me fizeram esquecer o resto do mundo por um instante. Quis o destino que com umas delas eu me casasse. Também quis ele que ela fosse embora antes de mim. A saudade, hoje, confunde-se com muitos dos sentimentos que me atormentam.

Lembro dos empregos que ganhei, dos que perdi. Das empresas que abri e do sucesso que conquistei. Filhos? Tive dois. Um casal. Aprendi a ser uma boa pessoa tentando criá-los. Gostaria realmente de saber se fui vitorioso nesse aspecto. Engraçado como percebo neles resquícios da altivez que tive um dia. Hoje, ambos reproduzem a saga que já enfrentei nessa árdua convivência. Faria tudo de novo, absolutamente tudo. Repetiria todos os erros e tentaria acertar da mesma maneira.

Se me perguntassem, valeu a pena? Sem titubear afirmaria que sim. Não percebi o tempo passar, verdadeiramente não. Um dia acordei com trinta anos e a tarde já estava com quarenta e cinco. Quando abri de novo os olhos tinha sessenta. Para os noventa, foi uma batida de asas de beija-flor. Mas… no final das contas, eu vivi.

E o sol foi sumindo. Com ele, aquietou-se mais um sopro de vida. Findou-se mais um ciclo. Qual o sentido? Não sei…

Autor: Armindo Guerra Jr.