Havia muita gente em meu entorno. No entanto, já camuflado em meio à selva ambiente, a música alta que rebatia os tímpanos, a iluminação intencionalmente fraca que dilatava as pupilas, a lata de cerveja gelada que se aquecia em meus dedos, confortavam-me e levavam para longe quaisquer claustrofobias.
À medida que observava àquela desordem, tive certeza que o deus Dionísio fora um louco. Com suas mãos leves demais para uma divindade, pusera na humanidade dois itens essenciais e contraditórios: o auto-controle, e o prazer. Busquei este último, tão logo a vi, distante de mim não mais que dois metros. Aguardei que maltrapilhos cortejadores se afastassem. Eles existem aos montes nos dias de hoje. E algo me leva a crer que em toda a história do homem fora assim.
Finalmente me aproximei, e lhe disse ao pé do ouvido, tentando vencer o som.
— É de couro ou de camurça? – ela se espantou. Me olhou estranhamente, como se não tivesse realmente me escutado. Apontei-lhe a saia, então. – De couro ou de camurça?
— Couro. – disse, e sorriu.
— Tem certeza?
— Sim. Camurça não tem nada a ver com couro. Se não fosse, eu saberia.
— Hum. – e quis fixar aquele sorriso pelo máximo de tempo possível. – Couro sintético ou legítimo?
— Voce é gay?
— Meu interesse por tecidos diz que sou gay?
— Sim.
— Não concordo. Assim como não concordo que sua saia é de couro. – à medida que sorria, seus lindos dentes demonstravam que minha presença não era desagradável.
— Sim, você é gay. – disse uma outra mulher, ao lado. Hipnotizado pela amiga de saia de couro rosa sintético, ou legítimo, vai lá se saber, eu não notara que ela estava acompanhada. Voltei-me para a amiga.
— Como você poderia saber?
— Fácil, gays gostam de saias. Mas, heteros chegam beijando. – ela também já gargalhava, como sua amiga, divertida pela situação inusitada.
Neste instante, um folião de carnaval fora de época chegou, muito embriagado, na mulher ao lado da de saia. Satisfez a fórmula fajuta e desinteressante que ela mesma havia me anunciado, segundos antes. Beijaram-se descontroladamente, sem qualquer elegância ou necessidade de se sentirem bem por isso.
Em pouco tempo, os lábios pararam de se tocar. O bêbado foi embora; a mulher, com o semblante indiferente e sisudo, voltou à conversa. Queria tornar a sorrir, coisa que, pelo visto, não lhe ocorrera muito naquela noite. Ou eram muito noturnos aqueles lábios dantes, que fizeram apenas beijar sem extrair a alegria da alma.
Voltei ao discurso que antes trouxera sorrisos para bocas. Não muito, no entanto. No instante em que a conversa tremulava, e gemia tentando voltar à piada sobre o couro ou a camurça, nos encostamos. Se dançamos ou nos beijamos, ou ambos, isto restará à imaginação do leitor se entreter. Minha crônica e minha história eu já as tenho.
Autor: Lucas Vinícius da Rosa