Roda a roda universitária

Reunidos em um câmara secreta, instalada no subterrâneo do prédio da reitoria, encontravam-se três homens decisores. O primeiro deles era a Vossa Magnificência, o reitor. O segundo, presidente do sindicato do servidores técnico-administrativos. O terceiro, e último, o ilustríssimo representante do corpo docente.

Irrequietos, perambulavam de uma extensão à outra da sala sigilosa. Esporadicamente, encaravam um dos cantos do lugar. Lá, acantoada, havia uma grande roda, repartida, como pizza, em oito pedaços de igual tamanho. Acima da roda, em uma placa de madeira, cunhava-se a inscrição: RODA DA PARALISAÇÃO. Por fim, no interior de cada pedaço, cuidaram de colocar algo que designasse um resultado para uma eventual paralisação.

Incomodados com a sua própria ansiedade, os homens entreolharam-se. Até que o presidente do sindicato se manifestou.

— Magnífico Reitor, o representante do Diretório Central dos Estudantes não vem?

— Ora essa, caro colega presidente, e o senhor, por acaso, já viu o corpo discente ser envolvido em decisão assim tão importante para a Universidade? Sem falar no caráter sigiloso do motivo pelo qual nos reunimos hoje aqui, nesta câmara secreta.

O presidente calou-se. Sabia que deveria sentir-se lisonjeado em ter sido convocado para aquele distinto momento. Não lhe cabia questionar o caráter democrático das decisões universitárias. Afinal de contas, aquela reunião dizia respeito aos interesses de somente algumas classes trabalhistas. Para ele, não parecia haver vínculo entre trabalho e estudo.

Não completamente certo sobre como proceder, o reitor olhou para a roda. Depois para os demais presentes. Em seguida, indagou.

— Algum dos senhores sabe como essa geringonça funciona?

— Não é só girar a roda, Magnífico Reitor? – disse o presidente do sindicato.

— Será que é apenas isso? Girar e esperar o resultado?

— Acredito que sim. Por que o Excelentíssimo Senhor Reitor não tenta?

— Tenho receio. Talvez eu deva ligar para meu antecessor de cargo, ele certamente terá mais experiência com este aparato.

— Mas isso não seria quebra de sigilo? – interpelou a entidade de professores.

— Jamais. Anos atrás, provavelmente tenha sido ele o articulador desta tão importante roda. – o reitor coçou seu queixo, em sinal de dúvida consigo mesmo. Logo após, foi possuído por Pôncio Pilatos – De qualquer forma, por mais que tenhamos que apenas girá-la, eu é que não vou sujar minhas mãos com isso. E nem os senhores, naturalmente.

— Mas Magnífico Rei… – balbuciaram uníssonos os dois outros homens.

— Sim, eu sei. A questão da quebra de sigilo. Porém eu sou a figura máxima desta universidade, e antes de me banhar em lama, prefiro permanecer limpo e chamar alguém que se suje por mim. Os senhores conhecem alguém para nos ajudar?

— Bom, até conheço. – manisfestou-se o presidente, disparando a imediata reação do reitor.

— Pois então, chame-o logo, por favor.

Quinze minutos transcorreram-se, e alguém bateu na porta, que se abriu. Adentrou, então, o quarto indivíduo participante do conluio.

Ocupando muito espaço, e graciosamente comunicativo, o homem cujas mãos seriam sujas pôs-se a falar.

— Má ôe! Ora, ora se não é uma roda o que temos aqui. Vejo que foi por isso que me chamaram. Má há háê, hi hi. Os senhores são uns fracos, há háê, isso é o que são.

Diante daquela introdução, o reitor perdeu sua compostura.

— Puta que o pariu, presidente, você trouxe o Silvio Santos pra girar a roda? – disse apontando para o ex-camelô.

— O senhor pediu alguém que nos ajudasse. Pois bem, trouxe o melhor girador de rodas de todos os tempos.

Embora desgostoso com a presença do quarto membro, o reitor fez-se conivente. Pragmático, gesticulou ao presidente do sindicato, indicando que terminassem logo aquela reunião esdrúxula.

— Silvio, pode rodar a roda. Queremos saber logo se iremos paralisar ou não. – instruiu o presidente.

— Má ôe, é claro. – Silvio dirigiu-se até o canto da câmara, e se aproximou da roda. Encarou-a por um segundo, procurando o melhor ponto para principiar o giro. Encontrado tal ponto, prosseguiu em alto volume. – Roda, roda, roda…roda, roda, roda…rodou! – e assim o artefato iniciou rotação em alta velocidade.

Reitor, presidente e professor arregalaram os olhos, tal qual o fazem espectadores de um número de circo. A roda girava e girava. Enquanto o movimento persistia, o presidente voltou-se ao reitor.

— Magnífico Reitor, o senhor já tem preparadas as metas da greve?

— Metas?

— Sim, aquela história toda de reajuste salarial, melhores condições para a categoria, maior autonomia para a entidade representativa, a paz mundial, etc.

— É… – o reitor engasgou. Depois repassou a responsabilidade da resposta para o professor. – O que os docentes da universidade fizeram em relação a isso, estimado professor.

— Exceto em relação a paz mundial, temos tudo sob controle, Excelentíssimo Senhor Reitor. Se houver paralisação, utilizaremos o plano de metas da última greve. A coisa não mudou muito de lá pra cá. – anunciou a docência, arrancando do reitor um suspiro súbito, aliviado.

Enquanto os homens conversavam sobre seus possíveis movimentos políticos, a roda ainda girava. Estranhamente, ela não esboçava sinais de desaceleração. Estupefatos, com olhar de reprovação, todos fitaram Silvio Santos.

— Má os senhores não olhem para mim, há háê. Essa roda nem minha é! – defendeu-se o apresentador.

— Essa roda precisa parar logo! – desabafou o reitor. – Precisamos de um parecer sobre a paralisação antes do começo da Assembleia, para a qual estamos atrasados, diga-se de passagem!

— Mas Magnífico Reitor, o propósito da Assembleia não é justamente votarmos a afirmação ou negação da greve? – questionou o servidor-presidente.

— Não seja inocente amigo presidente. Não o convocamos aqui à toa. A roda é que irá decidir! Sempre foi assim.

— Será que iremos paralisar?

— Não sejam tolos! – foi a vez do professor perder as estribeiras. – A roda tem inscrita em todos as suas opções a palavra “SIM”!

Os homens estagnaram-se. Menos Silvio Santos, que, saltitante, deu seguimento ao seu número do roda a roda.

— Má ôe. Essa roda finalmente vai parar. Paralisa ou não paralisa? – e começou a dançar pela sala. – Paralisa ou não paralisa? – e dançava mais e mais. – Paralisa ou não paralisa? – até que a roda assumiu lentidão. Morosa, pouco a pouco, denunciou sua parada. Até que parou. – Paralisou!!!

Contentes com o resultado, reitoria, docência e sindicato solenemente cumprimentaram-se, como em um típico acordo de cavalheiros travado nos bastidores do poder.

— Nossa reunião foi um sucesso, senhores! – saudou o reitor, estampando um sorriso na face. – Devemos agora avisar os meios de comunicação pertinentes.

— Má vai pra lá, vai pra la, Vossa Magnificência, que eu sou o meio de comunicação em pessoa. Ha háe, hi hi!

— Caro amigo presidente do sindicato dos servidores, o senhor poderia, por favor, retornar este nobre girador de rodas para a caravana de onde ele veio?

— É pra já, Excelentíssimo Senhor Reitor. – e direcionou sua palavra para Silvio, apontando-lhe, com o braço direito, o caminho da saída da câmara. – Vai pra lá, você, Silvio! Vá procurar o bambu. Ele deve estar com os estudantes em você sabe onde neles.

E assim encerrou-se mais uma sublime reunião na câmara secreta dos paralisadores. Até daqui poucos anos!

Autor: Lucas Vinícius da Rosa