Relatividade Clássica

O trem estava parado na estação. Normalmente, a linha Viena/Zurich, nas tardes de sexta-feira, costumava trafegar bastante cheia. Sentado no terceiro vagão, três fileiras atrás da porta de entrada, estava Albert. Repousado na pequena mesa à sua frente encontrava-se um livro branco, com o nome do autor escrito em vermelho, Gustav Kirchhoff. Com a mão no queixo, cabelos grisalhos, mal penteados e o olhar fixo no horizonte, Albert Einstein aguardava impacientemente que os demais passageiros embarcassem.

Um dos últimos a entrar no trem era um rapaz alto, de nariz grande e pontiagudo. Sua timidez e desleixo ao andar chamavam a atenção. O jovem inglês, de tez pálida e rosto quadrado, aproximou-se da terceira fileira, olhou na direção do senhor de cabelos grisalhos e exclamou cerimoniosamente – Sua licença, meu Senhor! – Não que Albert fosse um dos alemães mais simpáticos, no entanto, sentiu uma sensação bastante estranha ao olhar para o jovem, era como se aquele encontro não fosse permitido perante a ditadura do tempo. Então, voltou-se para a figura peculiar e lhe assinalou com a mão para que se sentasse.

Acomodando-se em seu assento, o rapaz observou o livro de Albert na mesa, mas não emitiu nenhuma opinião. Colocou as mãos sobre as pernas, em sinal de ansiedade, e aguardou que o trem partisse rumo ao seu destino. A viagem até Zurich era longa. Por sorte, nesse dia, viajaria somente até Munich. O garoto estudante, autodidata em quase tudo que desejava aprender, torcia para que o senhor de queixo retraído não iniciasse nenhum diálogo. Por um infortúnio, não foi o que ocorreu. Albert dirigiu-se a ele e perguntou – Gosta de vinho meu rapaz? – que por sua vez, sem ainda pronunciar nenhuma palavra, balançou a cabeça afirmando que sim.

O garçom trouxe-lhes um Château La Tour Carnet. Abriu e serviu cuidadosamente as duas taças. Um pouco mais à vontade, os dois viajantes brindaram. – À Erwin Schrödinger! aquele austríaco despeitado, genial… mas despeitado – disse Albert em tom brincalhão. Ainda buscando deixar seu companheiro de jornada mais confortável, perguntou-lhe – Vi que notou meu livro, interessa-se por Física, por acaso? – Sim – com uma voz rouca respondeu o interlocutor. De pronto estabeleceu-se uma simpatia, pelo menos da parte de Einstein.

Enquanto deliciava-se com seu vinho, Albert observava os demais passageiros do trem. Um pouco mais à frente, na segunda fileira do lado esquerdo, uma moça de cabelos loiros e com um batom vermelho vivo chamou-lhe a atenção. As acomodações do trem eram compostas por quatro bancos cobertos de couro marrom, dispostos dois de um lado e dois do lado oposto. A moça estava sentada de frente para Albert, e notou quando ele a mostrou, com um leve sinal de cabeça, para o jovem inglês. Envergonhado, com as maçãs dos rosto rosadas, o britânico fechou o semblante. – O que foi meu caro? Tenho certeza que conheces o princípio da atração dos opostos. – Brincou novamente Albert.

Outra vez fitando a paisagem pela janela, Einstein questionava-se – De onde conheço esse rapaz? – sem repostas a curto prazo, resignou-se. A estação de Munich estava próxima. Quando o jovem britânico atentou-se ao fato, começou a preparar-se para descer. O trem apitou duas vezes e foi parando. O estudante levantou-se, estendeu a mão ao Senhor de cabelos revoltos e fez uma curta reverência com a cabeça. Antes de soltar sua mão, Albert perguntou-lhe – A propósito meu caro, qual a sua graça? – Com olhar desconfiado e tímido, ele respondeu-lhe – Isaac, meu Senhor… Isaac Newton.

Autor: Armindo Guerra Jr.