Quando os gatos saem, os ratos fazem a festa

Entre os diversos assuntos importantes da humanidade a serem abordados, eis que me ocorre um neste preciso momento. E sobre ele não escrevo como uma causa perdida pela ONU, ou tal qual fosse um entrave de mísseis espaciais entre a Coréia do Norte e os EUA; o faço mais como desabafo, e menos como exemplo de humanidade propriamente dita.

Sendo um problema tanto nova iorquino – mesmo na sede da ONU existem os infelizes –, norte coreano e estadunidense, é de se esperar que esta praga estivesse também presente nas entranhas da América do Sul: adoráveis ratos. Uso o termo em seu plural, desde já, para não me equivocar quanto a última contagem de roedores, realizada há poucos minutos, antes de iniciar este texto.

Imagino que seja ele um só. Porém, talvez, sejam dois. Arriscaria três. A velocidade assustadora com que passam pelos meus olhos, no entanto, impossibilita-me classificá-los como uma praga incontrolável; e tampouco como primos ratos, entediados com a vida dos esgotos, a dar uma voltinha pelo meu apartamento.

Resido no último e quarto andar do edíficio. Lugar de difícil acesso aos roedores, cujo número representa o maior contigente de mamíferos no planeta. Quanto a dificuldade de acesso, pelo menos, assim pensei. Ledo engano. Suas pequenas garras subestimam a noção humana de sobrevivência. Permitem-lhe a escalada de superfícies verticais. E, não obstante, os desgraçados vivem com pouca comida, em regiões humanamente inóspitas (cantos de armário e balcões de cozinha são seus bunkers prediletos).

Abro um parêntese, para dizer que há ao meu lado uma vassoura. Nem vassoura muito boa, nem muito velha. Uma que assusta mais aos ratos que a própria sujeira, contudo. Isto é fato. Leitor, só um momento, talvez meus pensamentos sobre a vassoura tenham promovido uma fuga de ratos, que correm em minha frente, agora mesmo.

“Filho da mãe, você tá na cozinha é, seu safado?”, grita um enraivecido escritor de crônicas, com uma vassoura de cabo verde em sua mão.

Voltei. Depois de cinco minutos de perseguição infrutífera. Na empreitada, quebrei uns pratos e derrubei umas panelas. E nada dos ratos. Esconderam-se em seus cantos inalcançáveis. Malditos.

Lição primeira, talvez única, sobre ratos: jamais ouse subestimá-los; sua inteligência supera a de muitos governantes mundiais, que fazem suas cagadas nas nações as quais infestam, e nem se esconder conseguem, de modo a dissimular seu esterco espalhado. Num mundo globalizado, ilustres humanos cagam como ratos no Afeganistão, e ventos alísios dispersam a leptospirose militar aos países em desenvolvimento.

Mas, voltemos a minha humilde residência. Ao passo que me encontro em número inferior aos ratos, tive um delírio. Na idade média, segundo me dizem os livros de história, um terço da população mundial foi aniquilada pela peste bubônica. Os fatídicos ratos mijavam à esmo por onde passavam. E assim, mijando, no monarca do reino dos homens se transformaram.

No meu reino, meu apartamento, moramos em três pessoas. Todavia, estou sem mais humano algum ao lado. Pelo meu racícionio, guiado pela peste negra, se os ratos mataram um terço há alguns séculos, podem muito bem matar um terço no presente. Conclusão, se me encontro não em três, mas sozinho: posso virar a última estatística medieval em pleno século XXI.

Como único homem presente na casa, sou eu próprio a lei. No último minuto, espalhei folhas tamanho A4 por toda o lugar. Em seu centro, há uma fotografia dos ratos, meus cohabitantes. O texto, datilografado às pressas, é o que segue:

“Procuram-se três, ou mais, ratos de etnia escura, marrom, e repugnante. Eles foram vistos pela última vez perto do balcão da cozinha. Vivos ou mortos, não importa. Porém, escalpos de rato, se trazidos, valem mais que nazistas voando em filme do Tarantino; neste caso, a recompensa será dobrada.”

Numa medida mais enérgica, cogitei o uso de raticidas. Eles causariam nos ratos hemorragias internas, externas, agudas e fulminantes. Porém, provavelmente não os veria padecer pelo veneno. Isso tiraria toda a diversão da caçada.

Da ideia anterior, fui até a seguinte: ratoeiras poderiam funcionar. E, com sorte, eu poderia capturar um dos meliantes com vida. Depois disso, aplicaria métodos de tortura épicos, perante os quais até a Santa Inquisição diria: “que caçador de ratos hereges mais criativo”.

Fui até a cozinha. Abri as portas dos armários. Um a um, diagnostiquei os alimentos. As baixas eram muitas. Uma lástima. Muito alimento teve de ser jogado fora. Porém, nada comparado ao que a gula humana diariamente desperdiça. Diferentemente de nós, nem os ratos são gulosos.

No lugar dos alimentos removidos, coloquei ratoeiras. Talvez você, leitor, esteja a materializar pedaços de queijo na ratoeira, como demanda a tradição de caça aos ratos. Entretanto, na ausência de queijo em casa, usei pipocas velhas já estouradas; ratos não devem ser tão luxuosos como nós no cardápio.

As ratoeiras estão devidamente armadas, e as folhas A4 de procura-se espalhadas pela casa. Resta-me apenas esperar. E, enquanto espero, e bom anfitrião que sou, não posso deixar de receber pessoas no apartamento. Se visitas masculinas, ganho combantes contra os ratos. Se mulheres, bem, se mulheres julgo melhor não mencioná-las o caso dos roedores. É já tortura suficiente ler o restante deste parágrafo em pé, sobre a cadeira, enquanto olham para os lados, perguntando-se: “será que tem rato aqui em casa também?”.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa