Quadrilátero amoroso

Pairando sobre a imaturidade adulta, construíram-se duas pontes, uma quebradiça e outra sólida, a interligar um quadrilátero. Cabe, agora, uma advertência: aos que esperam aqui um triângulo amoroso, ou dotado de outra forma geométrica, haverá perfume desagradável. Desse modo, pela persuasão da escrita, e pela dissimulação do coração, escreve-se um texto de terceira e primeira pessoa; minto, talvez um de segunda pessoa, que é indivíduo tão destacado quanto um ouro ou um bronze, ainda que seja prata.

Nos dois vértices superiores do quadrilátero havia Ana e Thiago, cujo romance datava dos idos de 2006. Eles gostaram-se durante bons anos. Tinham gosto com pitadas de amor, que ludibriavam seu espírito jovem.

Tendo conhecido-se universitários, despiam as fraldas para assistir às aulas de mãos dadas. Faziam-no com cuidado, dada a delicadeza desta retirada: a dos suspensórios do amor juvenil.

Dois anos depois, em 2008, seguiam todos os dois pela aresta de cima, ingênuos, muito adocicados pela vivência ainda virgem.

— Como eu te amo. Ah, como eu te amo, Ana.

— Não mais do que eu te amo, meu amor.

Todavia, sobre Ana, e sobre Thiago, diz-se, sem erro na fala, que experimentaram deverás; passaram pelo uso conjunto de diversas drogas; umas fortes, outras exageradamente perigosas; tomaram contato, inclusive, com substanciais dosagens de amor.

À medida que consumiam esse amor de escassez no mercado, de maneira que abusavam muito de algo que não conheciam, começaram a brigar. Era uma tal de infantilidade descomedida; sucinta, mas sucessiva; necessária, porém destrutiva. Às vezes, sendo as pecuinhas agudas, faziam tremular a ponte que os conectava, tornando-a quebradiça, tênue, delicada.

— Se você sair por essa porta, – ela dizia, utilizando o dedo indicador como gesto. – será definitivo. Nunca mais irás me ver.

Seu discurso em segunda pessoa, assim simplesmente, encerrou um romance em terceira. No entanto, não nos esqueçamos da referência poligonal. Tenhamos a flexibilidade da imaginação de Euclides, e a rigidez da definição do ponto, que é adimensional e conciso, e serve, por conseguinte, a qualquer relacionamento, seja ele pontual ou retilíneo.

Passemos à aresta inferior do quadrilátero, portanto. Colocarei, nas pontas de baixo, “lo mismo Thiago, e la misma Ana”. Não verdadeiramente os mesmos personagens. Suas edições mais envelhecidas, porém.

Corra, com seus olhos, três parágrafos acima. Veja que houve ali uma despedida implacável. Uma porta, um dedo indicador, e uma cegueira. Talvez tenha sido assim a última saída de Napoleão da sua amada pátria. Indicaram-lhe a porta da rua da França, rumo à ilha de Santa Helena, restando-lhe apenas com uma Waterloo perdida, e uma úlcera no estômago.

Voltemos ao contemporâneo. Estamos agora distantes do século XIX e de 2008. Ocorre que Ana encontrou um Fernando. E Thiago uma Marina. Encontraram sem demasiada procura. O ser humano é fraco, de fraqueza óssea e cardíaca. E desse modo eles buscaram suprimir sua falta de cálcio, ou arritmia, com outra pessoa. Talvez um defeito alheio lhes trouxesse alguma qualidade.

— Eu te amo, Fernando. – disse Ana, em 2012.

— Eu te amo, Marina. – sussurrou Thiago aos ouvidos de Marina, no mesmo ano.

Sou autor obcecado por vieses. E hoje, acordei enviesado pela geometria. Para não ficar chato, farei o conto curto. Mas, peço que não anseie tanto pelo último ponto. Tratemos de reta.

Na mesma reta, cravava-se o “eu te amo” de 2006, que foi o mesmo de 2008, e não obstante o de 2012. Seria muita presunção distinguir esses variados “eu te amo”. Sorte a do leitor, afinal sou presunçoso. Dou-lhe a chance de adivinhar qual deles era o mais verdadeiro. E essa não é uma questão cuja última alternativa é todas as anteriores. Oferecerei mais duas frases, para efeito de esclarecer a incógnita.

— Nunca amei ninguém como te amo, Fernando.

— Nossa! Você é tão diferente de tudo o que já senti, Marina.

E aí, descobriu o mais verdadeiro amor? Questão petulante, não é? Necessitarei explicá-la pelas vias da ponte sólida, que pontifica o quadrilátero do primeiro parágrafo.

A vida é um tabuleiro muito grande, quadrado. É o próprio quadrilátero. E por mais tentador que seja imaginar moiras gregas costurando vidas, usando suas grossas linhas para decidir o destino dos mortais, são os seres humanos quem lançam os dados.

Também não há na natureza humana pontes sólidas. Isso nos deixa com apenas um quadrilátero, o tabuleiro, e uma ponte quebradiça. Quebremos a ponte, como se quebram os corações, e coloquemos o amor, ricocheteando, nos limites do polígono de quatro lados.

O mais verdadeiro “eu te amo”, assim sendo, foi aquele não dito, e sim sentido. Sentiu-se-lhe cada vértice e aresta. Não se calculou sua área, no entanto, sob o risco de estragar a geometria. Sinto, neste momento, comichões e cólicas infestarem aquele que me lê; seria um disparate com os sentimentos não declarar o amor a alguém. Talvez você queira parar por aqui, meu estimado estranho. Mas eu continuo. Preciso remendar a teoria.

Dito isso, Ana e Thiago formam o quadrado da vulnerável condição humana. Não se ama mais ou menos, nem duas vezes a mesma pessoa; ainda que permita coexistência, não vale transferir o amor de alguém para outrem. Isso é trapacear a si próprio.

E amor não expira. Só expira o que tem fim, como este conto.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa