Ostra feliz não faz pérola

Ostra

As culpas queimam como ácido. Quais seriam, então, as justificativas alcalinas a lhes neutralizarem. Todos os sofrimentos buscam ter sua explicação na sua causa mais próxima. Isso é fato inevitável até aos mais remotos dos seres. Assim inventaram-se os bodes expiatórios. E os sorrisos de reconciliação disso surgiram, quando a causa se tornou menor que o motivo de compensação.

Vejo tantos rostos preocupados com sua longevidade. Precavidos em relação àquilo que lhes mais pode causar ferida. Então penso: “mas não somos todos os dias feridos por grandes coisas, e ainda disso extraímos formidável força?”

A alma suporta o desgaste, mas não suporta o desamor, que apunhala inversamente pelas costas. O envelhecimento decorre das saudades que não se admitem. As lágrimas não enrugam a face, como determina a comunidade médica. As crateras vistas no espelho são fruto do remorso pelo que já é irrecuperável.

Não há retração em relação à morte. Contudo, há prosseguimento em direção à vida. Eu gostaria de ter ao meu lado todos aqueles que me edificam, inclusive alguns que demoli. Mesmo sabendo que todas as edificações um dia irão ter seus tijolos espalhados pela terra.

As palavras mais sinceras são as mais contundentes. Prefiro sempre a cólera da expressão à apatia da mudez que guarda tudo em segredo. Os sigilos de todos esses seres secretos são o meu repúdio. Não há revelação que não caiba na vida.

Minhas ostras, as quais cultivo em meu aquário guardado embaixo da cama, nunca dormem; estão sempre elas a fazerem pérolas mesmo dos maiores dramas. Minha última joia foi este texto: um fragmento de tudo o que agora eu posso ser.

* O título “Ostra feliz não faz pérola” faz menção a uma das obras do grande escritor brasileiro Rubem Alves.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa.