Os otários

Ao longe, num ponto ínfimo, distante, ele podia ser avistado. Estava sentado sobre a ponte, numa haste externa desta, quase que como assentado à beira de um precipício. Sem nome nem data de nascimento, o homem pairava no horizonte. Suas vestes eram ordinárias: calça jeans escura, camiseta preta e uma mochila, não muito grande, nas costas. Estático nesta posição, com as palmas das coxas a sentirem a frieza do metal de sustentação da ponte, ele mantinha sua atenção fixa em si mesmo. Extremamente pensativo.

Conforme a presença daquele indivíduo era, pouco a pouco, notada pelas pessoas nos arredores da região, um sinal de interrogação se impunha na cabeça de cada grupo de curiosos. O primeiro deles era formado por duas velhinhas. Hesitantes, procuradoras de uma explanação sobre a cena, as duas senhoras confabulavam entre si inquietamente. A cada frase trocada, apontavam, com o dedo indicador, para o homem acolá. Assustadas, pressupuseram, de imediato, uma tentativa de suicídio.

Anexo ao grupo constituído pelas velhinhas, surgiu outro, de composição maior – quatro jovens e dois adultos. Diversificando a faixa etária dos observadores, dois dos quatro jovens, e um dos adultos, juntaram-se a hipótese das idosas. A imagem por eles vista não mentia, era indubitável. Aquele homem queria se matar.

Não mais que vinte minutos foram necessários a transformar os dois grupos de curiosos e especuladores num grupo final, e maior. Por conseguinte, as forças-tarefa emergenciais tiveram seus serviços solicitados. Com sirenes do corpo de bombeiros e membros militares fardados, o espetáculo do suposto suicídio tomava forma mais eloquente.

— Ele já está lá tem um bom tempo, seu policial. – falava estupefato um dos espectadores.

— Sim! Vocês precisam fazer alguma coisa. Alguém precisa ajudar este homem, seu guarda. – outra mulher corroborou a fala de outrem.

O homem, que até então havia permanecido inerte em sua posição, direcionou-se para a multidão aglutinada aos pés da ponte. Encarou às pessoas. Em seguida à água. Voltou para o seu pensamento.

— Ele se mexeu! Olhem lá! – apontou outra pessoa na plateia pública, no que todos tornaram-se boquiabertos, com feição de surpresa incontida.

— Não! Ele vai pular! Ele vai pular! – gritou um outro homem, visivelmente mais desesperado.

Rapidamente, de acordo com treinamento muito bem feito, como somente experiências de risco podem trazer a uma equipe de salvamento, um conjunto de bombeiros orquestrou-se numa espécie de motim de resgate; uma medida de urgência precisava ser tomada. Os bombeiros puseram-se um em frente ao outro e, ordenados e com pressa, abdicando de qualquer equipamento de segurança, três deles iniciaram uma escalada pelas estruturas de armação da ponte. Assim que subiam, as pessoas calavam-se cada vez mais. Uma expectativa de vida, carregada pela brisa do vento forte que soprava, adentrava a respiração dos agoniados.

O último item faltante de toda a situação finalmente chegou ao local. Integrantes da imprensa saíram de um carro cujo emblema na lataria denunciava “REPORTAGEM”. Longe de serem os únicos a tentar televisionar todo aquele circo, vieram, logo atrás, outros três veículos similares, todavia de emissoras de televisão diferentes.

— Estamos aqui aos pés da ponte principal da cidade, onde, lá em cima, como o telespectador pode ver… – dizia dramaticamente a repórter, acompanhada de outro indivíduo, que carregava uma câmera de lentes grandes, tão grande quanto o sensacionalismo da reportagem. – um homem tenta pular. Isso mesmo, caro colega telespectador, temos um suicida!

Civis, bombeiros, policiais, repórteres e aquele misterioso homem temperavam a refeição de gosto trágico. O prato do dia, inusitado, deixava a todos enjoados, acometidos por uma falta de apetite descomunal. Uma rajada de vento percorreu os corpos dos personagens. Todos sentiram calafrios. Menos o homem, lá no alto, lá na ponte.

Assim que os escaladores bombeiros alcançaram o topo da ponte, procuraram encurtar o caminho entre eles e o homem. Cautelosos quanto a movimentos bruscos, aproximaram-se apenas um pouco. O suficiente para que fosse possível um dialogo. Transmitindo confiança, tal qual um pleno líder de resgate, um dos bombeiros, calmamente, indagou.

— Olá. Nós somos do corpo de bombeiros. Seja o que for que você está passando, gostaríamos de conversar sobre isso. – disse.

O homem nada fez. Continuou em sua reflexão subjetiva.

— Qual seu nome, filho? – enunciou o mesmo bombeiro.

Não houve reposta.

— Tudo bem. Não precisa dizer seu nome, se não quiser. Podemos conversar assim mesmo? O que está acontecendo? – interrogou, com sutiliza.

Eis que, de repente, o homem, mudo, levantou-se. Em estado de alerta vigoroso, os bombeiros arregalaram os olhos. A população, por sua vez, soltou um silvo bravo, lá embaixo.

— Oh, não!!! – ouviu-se, uníssono.

Como um grande desafiador da altitude, com imponência não rarefeita, como o ar lá em cima, mas abundante, proporcionalmente ao seu espírito, o homem discursou.

— Resolvi desafiar às alturas. Passei tanto tempo rastejando pelas ruas, em baixa altitude, quando na verdade meu medo me pertence. O céu me pertence. Esse tempo aqui em cima me vez ver a liberdade. Você, meu camarada, já sentiu no rosto a superação do medo, o desafio de si mesmo? Por um acaso, buscou arriscar sua vida, pra que simplesmente pudesse segui-la de outro jeito? Hoje eu faço isso, hoje desdobro minhas asas! “Do alto dessa ponte, uma vida me contempla!”.

Terminada sua fala, o homem supriu as previsões daqueles que se imbricavam abaixo da ponte. Pulou. Numa fração de segundo, no entanto, contrariando àqueles que previram uma tragédia, ele abriu um paraquedas. Voou, ilimitado, para longe. Distanciou-se do senso comum, das restrições de altura das culturas amarradas que o suprimiam. Tornou-se Übermensch.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa