O vendedor de morangos diferente

Esparramadas pelo céu, nuvens cinzentas afugentavam o azul vivo da superfície celeste. Estufadas de água em seu ventre, escureciam a tarde dos transeuntes da Rua Gregório de Matos. Normalmente demasiado movimentada, essa rua tinha grande vazão, servindo de estrada para maus compradores e bons vendedores ambulantes, instalados nas beiradas da via pública.

Em um dos lados da Gregório de Matos, encontrava-se João Cabral, apático vendedor de morangos frescos, vindos diretamente de hortaliças adubadas na zona rural, adjacente às cercanias da grande cidade.

Havia, atrás de João, empilhadas, cinco prateleiras preenchidas por pequenas bandejas. Estas eram revestidas por plástico muito transparante, irradiando o frescor de seus morangos, que transbordavam sedução ao paladar mais simplório. Eis que os transeuntes, pérfidos em seus critérios de compra, sequer davam atenção ao humilde vendedor.

— Morango fresquinho, direto da roça. Morango sem agrotóxico. – João anunciava em tom educado. Apontava para os morangos, depois direcionava suas palavras aos pedestres. – Olhe meu jovem, morango fresco, com um bom preço. Veja minha senhora, para você faço duas bandejas pelo preço de uma.

No entanto, os que pela Gregório de Matos passavam ignoravam a presença dos morangos, e a de João. Estavam todos muito ocupados com suas ocupações rotineiras. Ora essa, mas que disparate um vendedor ambulante oferecer morangos, assim, no meio da tarde, rompendo com a pressa vespertina típica das capitais.

Embora faces fechadas e incólumes negassem seus olhares para João, ele não se abatia. Retorquia um sorriso aconchegante, tão saboroso quanto seus morangos. Porém, assim que o sol despediu-se completamente do céu, e as nuvens apoderaram-se do alto, a indiferença das pessoas causou-lhe incômodo. Fora um irritação de curta duração, contudo. Otimista como somente os que não temem as chuvas podem ser, ele pensou ser aquele apenas um dia de poucas vendas; uma situação inoportuna em uma tarde obtusa.

No badalo que anunciou o término do expediente, a rua começou a se esvaziar. João recolheu seus morangos, esvaziou as prateleiras de seu coração, e apanhou um sequência de ônibus com sentido à sua casa.

Distante da indiferença da cidade, finalmente ele alcançou o sopé de seu lar. Ao entrar em casa, um barraco horrível, mas com um quintal de horta maravilhosa e florida, deparou-se com sua mulher.

— Olá, querida. – e deu-lhe um beijo carinhoso no rosto. – Senti sua falta durante o dia. Como você está?

— Como estou? – ela devolveu uma fisionomia de reprovação. – Quero saber como foram as vendas. Não tem dinheiro nem pro feijão. O que a gente vai jantar hoje? Me responde! – João baixou seu semblante.

— Vendi poucas bandejas. Mas não se preocupe, sei que as vendas vão melhorar. Talvez o tempo não tenha ajudado.

— O tempo? Ora essa, seu traste. Você teve o dia todo pra vender e agora coloca a culpa no tempo! Você é muito bonzinho, João. É bonzinho até com a pessoa que passa na rua, e que você nem conhece. Por isso não vende nada, e quando vende, aceita menos do que o produto vale!

João respirou fundo, trazendo ar novo aos seus pulmões. Racionalizou que um mal dia não era motivo para arruinar seu humor. Quis apenas se secar nos braços calorosos de sua esposa.

— Calma, meu amor. – disse, aproximando-se dela. – Amanhã vou acordar mais cedo, e se São Pedro nos ajudar, não vai chover. Agora por que você não me dá um beijo? – a mulher se esquivou, dando-lhe os ombros.

— Vou dormir, João. Boa noite!

Maltratado pela indiferença de sua mulher, João sentiu uma dor no estômago, e um vazio na alma. A indiferença das pessoas nas ruas, e de sua mulher em casa, perfuravam-lhe as entranhas de maneira irremediável. Seu ventre estava dilacerado pela falta de atenção. Sempre buscara fazer seu melhor. Oferecer às pessoas seu rosto mais sincero. Eis que sua sinceridade não comprava o interesse alheio, e seu melhor não conquistava sua mulher.

No dia seguinte, muito de manhã, João despertou na sala. Em passos silenciosos, discreto como um ladrão na noite, arrumou-se. Apanhou as bandejas de morango e as prateleiras desmontáveis. Assim que saiu de casa, olhou para cima e encarou o céu.

— Ah, eu não disse! Hoje o sol pertence ao dia inteiro! – e dirigiu-se ao ponto de ônibus.

Duas horas depois, já na Rua Gregório de Matos, o ambulante cumpriu seu ritual: instalou esperançosamente suas prateleiras, bandejas e morangos.

Enquanto apressavam-se para seus empregos, os pedestres novamente ignoravam a presença de João.

— Morangos frescos para uma manhã fresca! – ele divulgava.

Transcorridas quatro horas, venda alguma fora concretizada, exceto uma bandeja, o almoço de João. Alimentou-se de seu morango ali mesmo, na rua, demonstrando aos que passavam, mas não olhavam, que seus morangos eram de boa procedência e de fato matavam a fome.

Povoada, mas inabitada por corações, a Gregório de Matos exibia egoísmo em sua vasta extensão. Perto do ponto de venda de João, dois homens, cada um em sua rota, trombaram-se. Sem pedirem desculpas ou se desviarem de seus caminhos, nada disseram. Foram indiferentes. Do outro lado da rua, em seguida, um indigente pedia esmolas. Dez pessoas por ele passaram, e dez moedas não foram entregues.

No ponto de ônibus, aquele em que João aguardava pacientemente todos os dias, uma mulher parou perto de um pequeno grupo de pessoas.

— Por favor, vocês sabem qual ônibus vai para o centro? – ela indagou.

Enfurnados em fones de ouvido e pensamentos próprios, ninguém lhe respondeu. A mulher aquietou-se, acomodando-se em um canto, isolada pela reação frívola à sua pergunta educada. Triste dela. Se estivesse do outro lado da rua, João brindaria-lhe com deliciosos morangos, de graça. Ele era diferente.

No final da tarde, como no dia anterior, as nuvens acinzentaram-se, indiferentes ao comércio do ambulante.

— Droga, mais chuva e menos venda. De novo. – João balbuciou consigo, entristecido pelos pingos que começavam a cair lá do alto.

Cabisbaixo, sendo derrubado pouco a pouco pelo peso da chuva, o vendedor espremeu seu coração, retirando a água que o encharcava. Depois, decidiu desarmar sua estrutura de venda. Provavelmente não ligariam para morangos diante da eminente tempestade. Importavam-se, agora, com suas cabeças feitas de açúcar.

Em meio a correria na Gregório de Matos, com as bandejas agrupadas na calçada, prontas para serem colocadas em uma grande caixa de papelão, João foi surpreendido. Um homem ofegante o abordara.

— Boa tarde. Você é a pessoa que vai salvar meu dia. – sentenciou o homem molhado, abrindo um sorriso honesto.

— Vou? – João franziu a testa, desconfiado.

— Seu comércio ainda está aberto?

— Ele está sempre aberto, meu senhor.

— Por favor, não me chame de senhor. Chamo-me Gentil. – e esticou a mão para o ambulante, que, depois de titubear, devolveu-lhe o cumprimento.

— Em que posso ajudar?

— Sou gerente de uma rede de padarias, e recebemos uma encomenda enorme pra ontem! – e apontou para as bandejas. – Quero todos os seus morangos!

Uma lágrima escorreu pela face de João. E, antes de atingir a calçada, tocou a caixa de papelão fechada, em que seriam guardadas as bandejas. O contato da gota de choro com a tampa do objeto fez com que a caixa se abrisse. No fundo, na obscuridade da fundura das fossas oceânicas, iluminou-se um pássaro verde. Com esperança pendurada em suas asas, o pássaro abriu voo longínquo. Indiferente à indiferença das pessoas, sobrevoou, no patamar das grandes altitudes, a Rua Gregório de Matos. Depois, consternado com a apatia do cinza das nuvens, aterrissou, apoiando-se no ombro de João Cabral, o vendedor de morangos diferente.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa