O Envelope

Frederico esfregava compulsoriamente as mãos na calça. Com intuito de secar o suor fruto de sua ansiedade e nervosismo. Menos falante do que os outros dias normais de aula, estava sentado na penúltima cadeira da fileira encostada na parede. Um aperto no estômago o fazia arrepender-se de ter tomado tanto leite no café da manhã. Fred, como era conhecido pela família e em consequência também pelos amigos, estava inquieto, reticente, abaixava a cabeça e a balançava em sinal de reprovação.

Opostamente a Fred, o restante dos alunos nem pareciam atentar-se a criticidade da situação. O mesmo alvoroço de sempre. No entanto, bastou ouvir os passos coerentemente compassados da professora, que a turma 002 do primeiro ano de Ensino Médio do Colégio Jean Piaget, de pronto, foi organizando-se em seus respectivos lugares. Ao todo a sala possuía 5 fileiras, porém, nesse dia havia apenas 3. Quando Dona Marta passou porta adentro, todos já estavam devidamente acomodados e em completo silêncio. Ela tinha o olhar compenetrado, aparentemente saboreava aquele momento. Em seus braços trazia um envelope pardo lacrado.

Fred ora encarava o fatídico envelope, ora concentrava-se em tentar resgatar na memória as fórmulas que precisava decorar, em decorrência da metodologia retrógrada do colégio, que não deixava que seus alunos utilizassem uma tabela de fórmulas. Tenso e com a mão na testa pensava – vê é igual vê zero, mais vê zero vezes tê, mais um meio de a, vezes tê ao quadrado. Ou seria, tê vezes a ao quadrado? – tudo aquilo angustiava Fred. Estava a ponto de surtar – Maldita prova de Física – murmurava ele.

Dona Marta voltou-se à turma e mostrou os dois lados do envelope, com objetivo de provar-lhes que estava lacrado. Posteriormente, com o dedo indicador e o polegar retesados, pegou a ponta do lacre e puxou horizontalmente, fazendo um barulho semelhe ao de um zíper sendo aberto. Naquele momento estava estabelecida a relação de poder, prevista pelo contrato social, tão incorporado pela nossa cultura pedagógica. De um lado, do alto de seus 53 anos, estava dona Marta, professora experiente e dedicada, propriamente a detentora do conhecimento. Do outro, a turma, que a partir de então, começava a compartilhar as mesmas sensações de Fred.

Um a um, calmamente, Dona Marta entregava os cadernos de prova com a folha de rosto voltada para o braço da carteira. Os alunos só poderiam ver o conteúdo assim que ela terminasse de entregar a todos. Quando chegou a vez de Fred, antes que a professora entregasse sua prova, estranhamente ele ouviu alguém, em tom quase solene e distante, chamando por seu nome – Fred… Fred… acorda… acorda kra! – assustado e ainda suando acordou. Seu amigo completou – todo mundo já desceu do ônibus, vamo pra aula! – Aliviado, Fred levantou e seguiu em direção a porta trazeria do ônibus. Viajara do inferno ao céu em poucos segundos. Um pouco antes de adentrar pelo portão do colégio, observou um carro parando. De dentro dele saiu uma senhora de semblante conhecido, era Dona Marta, e trazia consigo um envelope pardo lacrado.

Autor: Armindo Guerra Jr.