O casebre

A casa não era muito grande. Quadrada, tinha sua largura e comprimento curtos. Longas ripas de madeira revestiam suas paredes. Madeira velha, degenerada pela força do tempo, que há muito costumava bater naquela estrutura antiquada. A tintura esverdeada demonstrava ter possuído outra pigmentação em estações anteriores. De fora, enquanto se olhava para as madeiras podres abaixo do teto, nada se conhecia sobre seu interior. As janelas, cerradas pelo passado, repeliam os transeuntes do presente que pela residência passavam. Ninguém queria fixar os olhos naquela choupana deplorável.

Atrás de um quintal sem flores, e à frente da porta frontal, havia uma varanda. Órfã, assim como aparentemente todo o resto da casa, a varanda fazia companhia a dois outros itens: em um canto, uma cadeira de balanço em decomposição, noutro, uma cabeça suja e sem cabelos de uma boneca, cujo corpo escondia-se em paradeiro imprevisível.

O quintal, muito menor que a área da casa, não tinha plantas em seu espaço. Ele havia esquecido o que é ter sua terra regada. Flores, no quintal, eram provas esquecidas da natureza; flores não havia. A fotossíntese não alimentava mais aquele solo. As flores estavam mortas, não podiam mais ser fecundadas. Terra batida, somente terra batida. Assim era o quintal.

Bem no meio da cidade, porém destoando de todas as outras moradias da região, aquela casa dava arrepios. Era esquecimento em meio ao progresso. Madeira hospedada por cupins em uma cidade de alvenarias.

Uma manhã atipicamente gélida de primavera afastou três pedestres, à medida que percorriam, pela calçada, a fachada da casa. O primeiro deles era um jovem estudante que, com sua beleza jovial, refutou aquela visão envelhecida. O segundo, uma mulher grávida. Ela rapidamente encarou a residência, e logo apressou o passo. Com o braço apoiado sobre sua barriga, quis proteger seu novo bebê daquele casebre ultrapassado. O terceiro, e o último a revogar o local, fora um cachorro; aqui também considerado um pedestre. O cãozinho voltou-se para casa. Titubeou. Nada pareceu agradar-lhe. Levantou sua pata direita traseira, e despediu-se da casa, mijando no muro.

Ainda na mesma manhã, houve um quarto andarilho. Deverás mais velho que seus antecessores, ele abriu mão de sua qualidade andante. Postou-se estático em frente a casa. Após cinco minutos de observação daquele cenário horrível, ele contorceu seu rosto. Buscava entender por que o reconhecimento do casebre lhe era tão doloroso. Empurrou o portão, e entrou.

Na varanda, encarou firmemente a cadeira de balanço. A sofrer de alguma desordem do sistema nervoso central, suas mãos tremulavam, tremendo consequentemente seus braços. Apoiou a palma mão esquerda sobre um dos braços da cadeira. Largou ligeiramente o peso do seu corpo em sua mão. Queria averiguar a estabilidade do objeto. Julgou seguro sentar-se. Assim o fez.

Estava visivelmente fatigado, talvez não pela morte cada vez mais iminente, mas pela sua vida. Enquanto refletia, olhava para os lados. Em cada canto havia uma lembrança a lhe molestar. Cada esquina suja do lote era um limpa lágrima em seu rosto. Sentiu-se só, acompanhado do choro.

Uma rajada de vento retumbou contra as janelas. Os pilares de sustentação da casa rangeram, e o velho notou sua espinha ser assoprada. Sua lágrima secou.

De repente, próximo a ele, surgiu a figura de uma menina com não mais que seis anos de idade. Descalça, com o rosto manchado de terra, como se estivesse brincando no quintal, o ser infantil lhe lançou um olhar. Aproximou-se, segurando em uma das suas mãos a cabeça de boneca decepada. O velho ficou estagnado. A criança, então, estendeu sua mãozinha desocupada e tocou aquela face de pele puxada. Em seu auge de inexperiência, a garotinha não entendia por que as pessoas envelhecem. Era inconcebível para ela, àquele dado momento, compreender que a feiura é posterior a beleza. Talvez por isso o feio nunca seja feio. E tudo o que envelhece é belo.

Os dois permaneceram ali, calados, fitando-se. Contrastavam o choque das extremidades da vida. Berço e túmulo tentavam se comunicar. E se comunicavam. Berço e túmulo sempre foram uma coisa só, terra. Não há mausoléu de grande homem que não tenha sido cama de criança pequena. Transcorrido um tempo de contato, a menininha e o velho entenderam aquilo. Celebremente, a dúvida infantil trouxe respostas para a idade avançada. Aquela casa já não era mais horrível.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa