No meio do caminho tinha uma inspiração, tinha uma mulher no meio do caminho

Está escorrida a última lágrima do Cristo Redentor. E quando ela pingou no chão, sem esmo, mas contundente, ele percebera que tudo ao redor estremeceu. Contrariou-se a refutável máxima de que, no Brasil, abalos sísimicos não ocorrem; ali, naquele instante, um desses aconteceu: ela passou.

Loira tal qual um cortante raio de sol, a ensolação secou a lágrima tão logo ela alcançou o piso. Era como se os cabelos esvoaçantes do sol tivessem sido transferidos para sua face. A aurora boreal sentia vergonha do que naqueles fios plácidos ocorria consistentemente, dado que a raridade destes era precisamente sua beleza constante.

Em franca descida sua, nas escadas fora transpirado todo seu perfume. Na subida, entretanto, não admirava que aquele cheiro estivesse ainda impregnado em cada degrau, oferecendo ótimos momentos às narinas dos que subiam. Verdadeiramente, quem por aquele corredor passava falava todas as línguas originais, fosse aquele lugar um andaime que conduzia ao cume da Torre de Babel.

No mesmo prédio onde esse todo se desenvolvia, do Cristo Redentor à Torre de Babel, havia histórias em cada um dos andares. Todavia, em proporção assim invertida, eram mais histórias que andares; mais sentimentos que regressos; mais cabimentos que apatias; mais emoção, menos fome.

Ele já estava com o cotovelo raspado demasiado, em virtude do que se tornara seu hábito debruçar-se da janela no parapeito. Esfolar seu osso para que pudesse observar os movimentos dos passantes. Uma hora ela iria faz jus à poesia “da mulher que passa”, e, segundo Vinícius de Moraes, também passaria. E seria esse instante seu ápice de observação, aquela mais cardíaca que ocular.

Ela passou.

— Ei! Ei! – ele gritou acenando em vão, com voz cujo alcance atingia apenas suas entranhas.

Houve um afastamento. Porém, em sua sabedoria não estava afastada a ideia de que haveria retorno. Garotas de Ipanema não existem apenas em Ipanema; pelo mesmo motivo que poetas são despatriados, porque inspirações não pertencem a calçadas. E ela voltou!

Quanta secura se estabelecia entre duas pessoas. Secou-se a água do planeta: talvez assim fizesse mais sentido chamá-lo apenas Terra, ou Gaia. Eis, contudo, a empreitada do sujeito autor: atrevessou o estreito de Bering, de modo a reconstituir sua própria humanidade; como se soubesse em seu íntimo que noutro continente estaria aquela mesma mulher: a loira que fez o Cristo Redentor chorar.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa