Escapada de mestre

Contarei a história deste mancebo. Um garoto jovem de poucas intenções. Não, retifico-me a tempo. Muitos eram os objetivos daquele ser jovem. No entanto, trazidas as máculas da juventude, bem se sabe que as projeções que se têm aos vinte não são as mesmas dos quarenta. Acho que Machado de Assis escreveu isso; se não o fez, que se cutuque Brás Cubas em seu sepulcro, e consertemos a literatura realista.

Enfim, o menino acordou em meio aos lençóis amarrotados. Feliz ou infelizmente, aquela cama na qual deitava não era a sua. Sequer sabia as origens daqueles tecidos. Olhou para seu lado, assim que despertou. Um susto lhe veio a cabeça. Surpresa de enigma de difícil decifração. Não havia mulher do seu lado. Pensemos juntos: a casa não era a dele, muito menos a cama, e a mulher, que deveria existir, não havia.

Ele estava sem camisa e ausente das calças. Incrivelmente, embora mantivesse aversão às agulhas, acordara tatuado. Longe de serem essas marcas cenográficas, como se o Mike Tysson tivesse pintado um tribal do lado do olho. Era uma tatuagem de borboleta, gravada no braço direito, no lado oposto ao bíceps. Em meio às asas do desenho, tal qual uma frase a sair do casulo, escrevera-se: “Marcela para sempre”.

A intenção aqui não é transformar este texto num roteiro sem pés nem cabeças. Filmes alucinantes não cabem nesta história, a não ser que estritamente necessários.

Tendo ido ao banheiro, analisou seu redor. As torneiras de metal descascado não eram pistas, de maneira alguma. O box era translúcido, enrugado, e o vidro também não refletia respostas. Abriu a torneira. A água se despejou pelos encanamentos, passando por entre seus dedos. Levou gotas de água ao rosto. Aliviou-se, por um instante. Em seguida, voltou a pensar:

— Cadê a mulher? Que casa é essa?

— Hi! – ela falou. Nossa, era a mulher que ele tanto ansiava a preencher suas lembranças. Ah, mas era feia a desgramada. Os dentes fora do lugar. As sobrancelhas falhadas. O jeito de andar, embora ela estivesse parada, era tortuoso. E estava pelada. Ora, nua e feia, portanto. Mas ninguém os observava. Como consequência, ele rasgou as roupas que ela não mais vestia. Beijou aqueles lábios esquisitos, e teve um momento…bem, um instante único, vai. Eu como autor fiquei feliz em não ter vivido isso, apenas narrado. Sigamos.

Ele amou ela por pouco tempo. Quando ameaçou falar uma palavra:

— É…você estava no mesmo lugar que eu ontem…. – e emendou, sem querer.- em que bairro estamos?

— We are in United States. Did you lose your flight or something? Don’t worry, I rescued you. You are safe by now.

— O quê?

— O que what?

— What você, sua feia filho do Tio Sam.

— Eu falo português!

— Ah, fala é. Então você sabe que é feia na minha língua.

A mulher ficou chocada. O conflito de idiomas fez o personagem ser honesto, e falar aquilo que sentia, ou que beijava. Lembremos, ele estava nu em todo este ato inenarrável. Percebido o equívoco, procurou em volta suas cuecas. Logo as viu, pulou para cima da peça, e a vestiu num instante. Entre xingamentos fervorosos da feia, ele fez bonito. Vestiu as calças, que estavam a dois quilômetros das cuecas, e zarpou pela janela. Sim, faz sentido pular da janela, o conto se narra no primeiro andar do prédio.

Escapada de mestre, assim nomearei este escrito.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa