O não já se tem, mosqueteiro

Havia uma atmosfera densa caindo sobre os ombros dos presentes. Alguns por isso andavam agachados. Outros, mais imponentes, ou curiosos sobre a condição alheia, erguiam as sobrancelhas. Admirados, tão logo viam outrem, em imediato corriam os olhos para baixo. Era como se houvesse constrangimento em ser honesto pela visão. Não raro, muitos preferiam repousar seus sentidos nos perfumes, trazidos por ventos distantes, no tropeço casual e ingênuo, ou no gosto enjoativo de sua própria saliva.

Entretanto, timidez não era o caso deste destemido mosqueteiro, tetraneto bastardo de Alex Dumas. Ele, cansado de partilhar suas vitórias com seus companheiros, fez-se egoísta; rompeu-se o contrato social dos mosqueteiros da noite, e sob a proteção da lua protetora de Baco ele se foi.

Começada a jornada – que, no princípio, indicava dificuldade, ainda que tal sensação fosse mais um pessimismo do personagem, que reproduzia também as inseguranças humanas –, seus olhos já cruzaram os dela. Foram segundos recíprocos. A profundidade do gesto, em consequência, trouxe-lhe todas as palavras necessárias; sabia o que falar, e a ordem na qual colocá-las; a posição das mãos em cada segundo de discurso, e o ritmo do coração, acelerado a cada entonação de voz. Não que corações possam ser facilmente controlados, quanto a seus batimentos. Porém, nosso impetuoso mosqueteiro estava preparado para as taquicardias; fique assim dito.

Antes de lidarmos com a fala deste valente jovem, descrevamos a mulher, no entanto. Vestia calça jeans preta. Colava-se às pernas bem adornadas tal calça. A blusa era de cetim, muito branco. De uma brancura praticamente transparente. Qualquer observador diria que, ao abraçá-la, passando as mãos por cima do tecido, sentir-se-ia que aquela era a veste das belas. Alguns botões dourados fechavam a roupa, da altura do ventre até os seios protuberantes. O sorriso era estarrecedor. Se perguntarem por que o autor coloca o sorriso no patamar das vestimentas, ele dirá, em sua defesa irrefutável, que aqueles dentes vestiam-na de alegria sedutora, e dessa maneira pertencem aos assuntos da indumentária. Brincos perolados nas orelhas também havia. Como pêndulos, caiam-se, pendurados das orelhas, à uma altura média, ameaçando roçar os delicados ombros. E seus olhos, por fim, reluziam como as pérolas dos brincos, em esplendor excitante. Intrometiam-se eles na alma de qualquer homem; sobre tais efeitos trazidos pela aparência, lembremos: fizeram-se guerras por questões como estas descritas neste parágrafo; houve até imperador chinês a abrir muralhas em prol de sua donzela.

Digerido o susto do espírito, que, a estas horas, já se achava nu e com a mão no bolso, ele se aproximou, poupando-se das introduções.

— Eu poderia falar vinte mentiras, contanto que uma delas tivesse o efeito esperado. Faria com que você sorrisse, como fez antes, sem saber que alguém encarava. Mentir vinte vezes, no entanto, me mataria vinte vezes. Desse modo, portanto, considere tudo o que sair da minha boca como a mais pura sinceridade. – e a mulher mantinha os lábios imóveis, mas brilhava os olhos com avidez. O silêncio sinalizou que ele deveria continuar, ao menos em sua cabeça de espadachim. – Eu estava na roda de meus amigos, e conversávamos muito alto. Porém, ainda mais audível, e absurdamente mais sedutor, foi sua voz que soou ao fundo de todo o rebuliço. Admirado, olhei para trás. Você gesticulava, e seus dedos à medida que se moviam faziam suas amigas rirem espontâneas e leves. Ah, eu me encantei! Pensei, quero uma mulher assim ao meu lado, que faça rir e ser bela na mesma proporção. Tendo descansado o olhar por muito tempo na sua direção, você notou. Virei o rosto, em disfarce. Sabia que esse gesto permitiria que eu voltasse a olhar de novo, para você. Encarei outras vezes, sim, e com exemplar dedicação. A cada vez que fazia isso, percebia outro traço que me amolecia as pernas e trazia incerteza à minha coragem. Enfim, estou agora aqui, com as pernas firmes e meu coração valente. – e recorreu ao nome de um programa televisivo, passado nas noites de segunda-feira, que a Fernanda Lima apresentava na adoecida rede MTV. – Fica comigo?

A mulher sorriu com gosto pelo que se enunciara. Sim, precisamente os dentes se mostraram sorridentes. Todavia, nada saiu de sua boca. E a resposta por ele nunca fora obtida. É que a dita cuja era muda e ele, mosqueteiro afobado e inquieto quando na frente de batalha, assumiu o silêncio como um não. Guardou sua espada na baioneta, e saiu. Naturalmente, perdeu a mulher. E, tendo, após a atitude fracassada, retornado ao grupo de guerreiros, não fala sobre isso até hoje. Eu, o autor ladino, roubei uma crônica que fala por si só.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa