O discípulo de si mesmo

Ele não confabulava, ou conjecturava, ou vislumbrava como se consultados oráculos em que jaziam deuses gregos, sobre seu futuro. Diz-se que planejamento era algo apenas realizado, se fosse isso orquestrar o próprio acaso, sempre inédito. De fato, tudo de forma inusitada corria naquela vida, e este indivíduo percorreu mais caminhos que os outros. Chamavam-no de louco, ou, de modo mais extenso, de paraquedista louco; sempre pulava de alturas significativas, insano que era. O fato de gastar solas de sapato como se fossem gratuitas, e não abaixar a cabeça para as chuvas, nem subestimar com seu olhar o sol, refletia seu traço principal: se desgastar vivendo. Ensinamentos de Platão lhe informavam que amar quem não lhe ama, embora seguro, não presta ao coração. Pelo contrário, é apodrecido o órgão pela ausência das paixões. Muitas delas são transformadas em exageros, por um lado, como se observa nos manicômios em que se trancam alguns amantes. No entanto, ainda assim, parece haver algo de razão nos diálogos platônicos de hoje, em que se repetem os ciúmes descartáveis e as raridades dos amores. O personagem sabia disso, e sua autoestima lhe conduzia pelos tijolos da alegria. Construiu portanto uma Torre de Babel para si, para que pudesse falar os idiomas de todos os sentimentos. Conversou também com São Cristóvão, antes que este fosse sumariamente executado pelos romanos, e foi transportado de um lado ao outro do rio. Mas nada disso o salvou, senão ele mesmo. Se o mundo padecia das guerras, e os indivíduos dos conflitos interiores, ele fez a paz no seu mundo e harmonizou a relação do seu espírito. Fez o corajoso gesto de olhar-se no espelho, sem sentir vontade de quebrá-lo.

Autor: Lucas Vinícius da Rosa